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segunda-feira, 17 de junho de 2019

Brasil x Bolívia: a abertura da Copa América no JP

Texto e fotos: Fernando Martinez


Esportivamente falando não teve melhor década para se viver no Brasil como a atual. Nunca se viu um número de eventos tão significativos em sequência. Contando com uma boa dose de organização e muita sorte, consegui marcar presença em todos os grandes eventos: Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olimpíada (isso sem contar o Pan na década anterior). Fechando esse inesquecível ciclo, chegou a vez de acompanhar pela primeira vez uma Copa América de perto.

Óbvio que eu não poderia perder a oportunidade. Felizmente consegui ajeitar um pouco a vida no tempo exato para comprar os ingressos e fazer minha primeira viagem interestadual em três anos tirando a zica com estilo (nos próximos posts falarei a respeito). No total consegui bilhetes para todas as pelejas de São Paulo e também duas fora do estado. A primeira delas foi a sensacional abertura entre Brasil e Bolívia no Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi.

Tem muita gente que acha a mais antiga competição entre seleções do mundo sem graça, eu não. Como ela é sempre realizada no meio da temporada, sempre significou que a cada dois anos o período de férias na escola tinha o torneio como pano de fundo. Começando pelo massacre chileno em 1987, passando pelos títulos de 1989 e 1997, os vices de 1991 e 1995 e a eliminação traumática contra a Argentina em 1993, minhas memórias afetivas se confundem com vários desses momentos.

Antigamente a organização da Conmebol era bem pior do que hoje, tanto que em 1987 a entidade resolveu arrumar a casa e fixou que a Copa seria realizada bienalmente com a sede sendo definida num rodízio entre todos os filiados, a começar pela Argentina. A periodicidade mudou para três e depois quatro anos, mas a ordem seguiu até 2007. Em 2011 a Argentina voltou a ser sede e, seguindo na ordem, teríamos Brasil e Chile recebendo o certame respectivamente em 2015 e 2019. No fim, os dois acabaram trocando os lugares, e com isso recebemos a Copa América 30 anos após a última vez.

Essa é a quinta vez que organizamos o campeonato. Nas quatro anteriores fomos campeões: 1919, 1922, 1949 e 1989. Nesta última, no alto dos meus 13 anos, fiquei chateado por São Paulo não ter recebido nenhum jogo e só vi a conquista canarinho pela televisão. A CBF abusou da política e escolheu Rio, Salvador, Recife e Goiânia como sedes. Várias pelejas, principalmente as realizadas na Fonte Nova, tiveram públicos absurdamente baixos.

Contando as partidas no país em 1975, 1979 e 1983, anos em que a competição não teve sede fixa, apenas oito cidades tiveram a honra de ver o antigo Campeonato Sul-Americano de perto: São Paulo, Belo Horizonte, Santos (!) e Uberlândia, além das quatro já citadas no parágrafo anterior. Agora Porto Alegre também entrará na lista. Somente Rio e São Paulo usaram mais de um estádio: Maracanã e São Januário na primeira e Pacaembu e Morumbi na segunda, sendo que a Arena Corinthians também fará parte desse seleto grupo.

Entre 2000 e 2017 assisti doze compromissos do time principal verde e amarelo entre amistosos, Eliminatórias e Copa do Mundo. Incluído um confronto contra os próprios bolivianos em 5 de setembro de 2004, também no Morumbi. Claro que preferia ver a abertura com uma seleção diferente como adversária.mas não posso reclamar. No meu histórico pessoal do escrete cinco vezes campeão do mundo, dez triunfos, um empate e apenas uma derrota (o 0x3 sofrido contra a Holanda na decisão do terceiro lugar de 2014).

Para o que foi meu 13º jogo não cheguei cedo por conta do trabalho. Bem diferente da Copa do Mundo e da Olimpíada, a (des)organização foi total ao redor da cancha. Foram montadas verdadeiras barricadas para impedir a chegada de aventureiros sem ingresso. O que complicou foi a revista a passo de tartaruga dos policiais e graças a isso a muvuca criada foi enorme. Além do aperto, confirmei que a maior parte dos presentes eram aquelas figuras carimbadas que só aparecem em apresentações do onze tupiniquim.

Levei quase uma hora para andar uma distância de nem 100 metros porém quando ultrapassei a barreira a confusão ainda estava longe de terminar. Foi difícil achar meu portão, entrar numa das 412 filas que davam a volta no estádio e depois uma eternidade para chegar no meu lugar. Uma coisa é certa: as reformas nesse século deixaram o Morumbi bem mais acessível, só que nem assim ele deixou de ser um inferno em espetáculos com boa presença de público.

Quase duas horas após a via crucis começar finalmente estava no meu lugar marcado. A casa do tricolor paulista não estava lotada, mas era claro que a presença de público seria enorme. Todos os ingressos foram vendidos e a expectativa era de quase 70 mil torcedores ali apoiando a seleção. Quando o telão informou o público oficial, 46.342 pagantes, a surpresa foi geral pois não sei como caberiam 20 mil pessoas naquelas arquibancadas. Outro grande mistério da humanidade. O que não teve discussão foi que a renda de 22 milhões de reais se tornou a maior da história numa peleja no país. 0,1% desse valor no meu bolso já me deixaria feliz.





Detalhes da cerimônia de abertura no Morumbi. Muito legal ter a chance de acompanhar a Copa América pela primeira vez

Sentado no meu cantinho fiquei ali assimilando a energia e feliz por ter a oportunidade de acompanhar nova competição internacional no Brasil. Sinceramente acho que quem viu, viu. Quem deixou para depois vai ficar sem. Em campo, os atletas se aqueceram e logo a cerimônia de abertura começou. Simples, ela não teve nenhum destaque enorme porém foi legal do mesmo jeito. Ela durou cerca de 15 minutos e quando terminou logo Brasil e Bolívia foram ao gramado.

Foram dez os duelos entre as duas seleções na história da Copa América. Do primeiro em 1945 até o último, a gloriosa final de 1997, os brasileiros venceram oito vezes e os bolivianos duas. Uma dessas partidas curiosamente também foi realizada no Morumbi em 1979. Na fria noite de 16 de agosto daquele ano, um sofrido 2x0 a favor dos donos da casa que ajudaram na classificação para a semi, quando foram eliminados pelo futuro campeão Paraguai.

Agora, não resta dúvida que o maior atrativo da noite era ver o escrete local atuar de camisas brancas. Embora alguns digam que o uniforme "maldito" foi usado pela última vez na final do Mundial de 1950, o Brasil ainda atuou com a vestimenta no Campeonato Pan-Americano de 1952, o Sul-Americano de 1953, um amistoso contra a Itália em 1956 e no Sul-Americano de 1957, mais precisamente contra o Chile em 13 de março. Sempre achei o uniforme azul e branco maravilhoso e ver de perto apenas confirmou minha opinião. Bem que o pessoal da CBF podia trazer de volta a combinação, não? Estamos na torcida.


Seleções perfiladas para os respectivos hinos nacionais


O público pagante decepcionou, mas a renda foi recorde

Atletas em campo, rolou o hino nacional de ambos os países e então o árbitro argentino Néstor Pitana, que apitou o França x Croácia na final do Mundial da Rússia, trilou o apito pela primeira vez e deu por iniciada a Copa América de 2019. Foi a senha para os aventureiros de plantão cantarem a plenos pulmões a tenebrosa "sou brasileiro com muito orgulho". Não seriam 90 minutos fáceis de se acompanhar.

O grande problema foi a atuação meia-bomba dos locais durante a etapa inicial. Sem a diva Neymar no relvado, os comandados de Tite mostraram um nervosismo acima da média e apesar de encurralaram o adversário no setor de defesa, pouco fizeram tirando um ou outro momento mais incisivo. Thiago Silva, Daniel Alves e Richarlison foram os responsáveis pelas melhores chances.

Não demorou para que o ânimo dos presentes fosse ao chão e boa parte do primeiro tempo foi disputada sob um silêncio sepulcral (adoro essa palavra). Sem exagero nenhum, já fui em jogo com cem pessoas que tinha mais barulho. A festa se transformou num velório e quando o intervalo chegou o que se ouviu foi vaia a rodo. Fiquei sabendo que teve jogador que reclamou. Com uma atuação tão fraquinha não tinha como esperar outra coisa.


Início de jogo e a seleção brasileira trocando passes na esquerda


Boa chance aérea do Brasil depois de escanteio


O Morumbi encheu de gente que não tem a menor ideia da dinâmica de estádios... paciência


O bonito placar eletrônico do estádio são-paulino

Eu estava entediado. Além da apresentação ruim, ouvi uma série de barbaridades durante 45 minutos que me deixaram assustado. Besteira a respeito de futebol, do cotidiano e da política que fariam corar qualquer analista minimamente ligado com a realidade. Eu estava quase me levantando dali tamanho o número de absurdos. No fim, respirei fundo, confiei que o tempo final seria menos pior e não arredei o pé.

É, a surrealidade ao meu redor continuou, mas pelo menos o Brasil voltou um pouquinho mais animado. Logo no primeiro ataque um zagueiro boliviano meteu a mão na bola dentro da área. O juizão argentino foi conferir o lance no VAR e marcou pênalti. Philippe Coutinho bateu e fez o primeiro gol da Copa América e do Brasil.

Ele mesmo fez o segundo aos sete minutos após cruzamento de Firmino, transformando em definitivo o humor da maior parte dos presentes. A partir dos 2x0 foi só festa. A Bolívia nada fazia e embora a atuação brasileira não fosse nenhuma Brastemp, vimos bons momentos em busca do terceiro gol. Ele saiu aos 39 numa belíssima jogada de Éverton Cebolinha, o xodó da torcida.


Philippe Coutinho, de pênalti, marcou para a seleção alvi-azul


Filipe Luís dando aquele toque maroto para dentro da área boliviana


A seleção da Bolívia tentou diminuir o prejuízo, mas não teve jeito


Mais uma disputa de bola no meio de campo

Resultado final: Brasil 3x0 Bolívia. Um bom início na busca do nono título e a centésima vitória tupiniquim na história do certame. Agora os adversários nas próximas rodadas serão na ordem Venezuela e Peru, os outros integrantes do Grupo A. Aliás, falando em venezuelanos e peruanos, eu tive o enorme prazer de ver o duelo entre os dois... falarei disso no próximo post.

Como sempre faço, esperei a massa ir embora antes de pegar o caminho de casa. Deixei o Morumbi quase sem ninguém e não demorei para seguir ao QG da Zona Oeste. Precisava arrumar a mala e dormir um pouquinho, pois antes das cinco da matina já estava de pé novamente com a missão de passar um final de semana esportivo fora de São Paulo, algo que não acontecia desde a Olimpíada de 2016. Foram dois dias geniais.

Até lá!

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Ficha Técnica: Brasil 3-0 Bolívia

Competição: Copa América; Local: Estádio Cícero Pompeu de Toledo (São Paulo); Árbitro: Néstor Pitana (Arg); Público: 47.260 pagantes; Renda: R$ 22.476.630,00; Cartões amarelos: Coutinho (Bra), Fernando Saucedo (Bol); Gols: Coutinho (pênalti) 5 e 7, Everton 39 do 2º.
Brasil: Alisson; Dani Alves, Marquinhos, Thiago Silva e Filipe Luís; Casemiro, Fernandinho e Coutinho; David Neres (Everton), Richarlison (Willian) e Roberto Firmino (Gabriel Jesus). Técnico: Tite.
Bolívia: Carlos Lampe; Diego Bejarano, Luis Haquín, Adrian Jusino e Marvin Bejarano; Erwin Saavedra (Leonardo Vaca), Leonel Justiniano, Fernando Saucedo (Diego Wayar), Alejandro Chumacero e Raúl Castro (Ramiro Vaca); Marcelo Moreno. Técnico: Eduardo Villegas.
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