Texto e fotos: Fernando Martinez
Minha sexta peleja durante a edição 2016 da Magical Mystery Tour portenha foi a realização de um dos meus maiores sonhos futebolísticos em grande estilo. Desde que passei a acompanhar o esporte tinha a vontade de ver um jogo do Racing na sua casa, o magnífico Estadio Presidente Perón, também conhecido como El Cilindro de Avellaneda. No dia 13 de abril tive o privilégio de ver "La Academia" ao vivo pela primeira vez, enfrentando o poderoso Boca Juniors em partida válida pela Taça Libertadores da América.
Sempre tive a quase absoluta certeza que era impossível ver um clássico entre grandes da Argentina. Pela maior competição de clubes do continente então... chance abaixo de zero. Tanto achava isso que nem fui me informar sobre venda de ingressos. Quando acordei na manhã daquela quarta-feira desci e comprei meu exemplar do Olé, uma tradição obrigatória, e ao folhear o diário vi que ainda tinha ingresso disponível e que a venda iria até duas horas antes do apito inicial. Bateu aquele insight maroto e lá fui tentar a sorte.
Tinha na minha cabeça a ideia que Avellaneda ficava bem longe do centro de Buenos Aires, leia-se a Avenida 9 de Julio e o Obelisco, por exemplo. Foi só quando olhei o mapa que notei que não era nada absurdo. Apenas oito quilômetros separam o hotel aonde me hospedei e a casa do Racing. Sem querer arriscar, peguei um táxi e pouco depois já estava na bilheteria do El Cilindro. Não levei mais do que dois minutos para comprar minha entrada, com direito a um sorriso de ponta a ponta do rosto.
Fachada do Presidente Perón. A movimentação em torno do estádio horas antes da peleja era super tranquila
Foi moleza comprar ingresso para o clássico. Nem nos meus sonhos mais malucos eu imaginaria algo assim
Como ainda tinha tempo até o apito inicial fui conhecer a região e pude comprovar como o estádio do Racing fica do lado da cancha do Independiente. Apesar de ter sido inaugurado há pouco, o Libertadores de América não tem nem metade da mística da casa alvi-celeste. Conforme o horário marcado se aproximava a região passou a receber muito mais gente. Vale lembrar que os clássicos na Argentina são disputados com torcida única, então foi sossegado perambular pelos quarteirões próximos.
Exatamente às 19 horas resolvi ir pro meu lugar. Tirando uma pequena muvuca na subida pro anel superior, não tive problema nenhum. E assim como aconteceu no dia anterior quando visitei o Tomás Adolfo Ducó, casa do Huracán, ao entrar na arquibancada senti algo bastante raro nesses meus quase 35 anos de futebol. Sem exagero nenhum, eu fiquei hipnotizado pela atmosfera e pelo fanatismo da torcida local. Algo eletrizante, sensacional, inesquecível. Impossível não se sentir tocado de alguma forma por fazer parte de um espetáculo desse porte. Agora, vale dizer que não há espaço entre as fileiras. Praticamente temos que passar por cima dos que já estão sentados até chegarmos num lugar vazio.
A história do Estadio Presidente Perón vem de longe. Inaugurado em 1950, o El Cilindro começou a ser construído seis anos antes. Originalmente com capacidade para 60 mil pessoas, a praça de esportes abrigou momentos históricos como o primeiro Pan em 1951, a final da Libertadores e da Taça Intercontinental de 1967 e várias decisões importantes do futebol argentino em competições caseiras e internacionais. A mística é enorme e sentimos isso a todo momento. Pena que ele está meio abandonado, mas não por isso a experiência fica menos especial.
Falando do jogo em si, as duas equipes estavam no Grupo 3 da Libertadores da América junto com Bolívar e Deportivo Cali. O Racing era líder invicto com oito pontos e se vencesse se garantiria nas oitavas com uma rodada de antecedência. O Boca estava em segundo com seis e queria vencer pensando em não se complicar na tábua de classificação. Por ter vencido seus dois compromissos em casa por goleada (4x1 em cima dos bolivianos e 4x2 contra os colombianos) e tendo só sua torcida nas arquibancadas apostava alto do escrete local.
Assim como no estádio do Huracán, a casa do Racing também tem sua enorme torre
Desde criança eu queria ver um jogo do Racing no Presidente Perón. É sensacional alcançar uma meta assim
Troca de passes no ataque do Racing
Enquanto Racing e Boca jogavam, algumas crianças preferiam jogar bola em dois campinhos pintados no começo da arquibancada. Nunca tinha visto isso e achei espetacular
Pena que os 35 mil pagantes não viram uma atuação memorável do Racing, longe disso. A Academia a bola nos pés durante a maior parte do tempo nos primeiros 45 minutos, pena que não conseguiu transformar isso em bons momentos. O Boca se segurou e teve um pouco mais vontade... só um pouco. O fato é que a peleja não esteve à altura das tradições dos dois times e nem da competição. Eu não me incomodei, pois estava feliz só de estar presente no El Clindro.
Na etapa final o Boca Juniors se acertou e não deu chances ao Racing. Comandado por Carlitos Tévez, os visitantes ocuparam o campo defensivo adversário e criaram razoáveis momentos. Aos 19 chegaram a marcar, mas o gol de Fabra foi anulado por impedimento. Aos 20, os atletas visitantes pediram pênalti em bola que bateu no braço de Voboril dentro da área... o árbitro nada marcou. O mesmo Fabra teve ótimo momento aos 28, em lance que a zaga tirou.
De tanto insistir, os xeneizes finalmente marcaram as 38 minutos. Gago iniciou a jogava e tocou para Pavón. O atacante cruzou e a bola achou Lodeiro no segundo pau. O camisa 14 recebeu e só teve o trabalho de tocar pro fundo do gol de Sebastián Saja. O Racing ainda buscou fazer aquele famoso abafa nos minutos finais, só que a noite não era mesmo da Academia. A torcida, apesar da frustração, não parou de cantar um minuto sequer. Impressionante.
Ataque do Boca Juniors chutando de longe
Mesmo no anel de cima, a visão do campo é sensacional
Ataque visitante pela esquerda
Mais uma visão geral do Presidente Perón para Racing x Boca na Libertadores 2016
No fim, o placar de Racing 0-1 Boca Juniors colocou o onze azul e amarelo na liderança da chave com nove pontos e ambos se garantiram nas oitavas. O Bolívar teve a chance de tirar a Academia jogando em casa na derradeira jornada e apenas empatou. De qualquer forma, a expectativa de classificação dos dois argentinos se confirmou até que de forma bastante tranquila. O Boca pegou o Cerro Porteño e o Racing enfrentou o Atlético Mineiro.
Após o jogo, só pra variar, fiquei um tempão esperando a praça de esportes esvaziar curtindo cada segundo que faltava dentro do El Cilindro. Além de não saber quando voltarei lá, essa também seria a minha última noite em Buenos Aires durante a Magical Mystery Tour 2016. No dia seguinte empacotei minhas coisas e me mandei para Montevidéu com a intenção de continuar a saga no estrangeiro. Porém, tirando as primeiras horas no Uruguai, tudo que tinha planejado foi por água abaixo e a viagem tomou um rumo totalmente diferente. Falarei sobre no próximo post.
Até lá!
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