Texto e fotos: Fernando Martinez
Na quinta-feira, 14 de abril, empacotei minhas coisas e, findada a estadia de cinco dias em Buenos Aires peguei o boné e me mandei até um local que queria visitar fazia tempo: a República Oriental do Uruguai. Foi a primeira incursão do JP na antiga Província Cisplatina. Saí do meu QG no centro e pouco depois já estava na estação do genial Buquebus esperando a balsa que me levaria até Montevidéu. Poderia ter ido de ônibus, só que a ideia de navegar no Rio da Prata era muito mais interessante.
Mesmo com o famoso trauma pessoal de mar a viagem foi sensacional. Nem parecia que estava num barco tamanha a tranquilidade durante o percurso. Deu tempo de curtir o duty free - sem comprar nada, claro - e todas as instalações do pequeno navio. Cheguei na capital uruguaia por volta das sete da noite e, antes de ser liberado, a polícia local provavelmente me confundiu com algum traficante sul-americano. Fui o escolhido entre todos os passageiros para ter a bagagem revistada. Tirando alguns alfajores, duas garrafinhas de 7up e alguns chocolates, nada ilícito e então fui liberado sem maiores problemas.
Dali peguei um táxi com destino ao hotel, que ficava ao lado da Rodoviária de Tres Cruces. Bom porque ficaria próximo do Estadio Centenario e também de vários outros pontos interessantes durante a minha - até então - estadia de seis dias na capital do país. Deixei as malas e logo peguei o caminho do meu primeiro compromisso futebolístico. Graças à intervenção do amigo Victor de Andrade, conheci a Rossina López e ela fez o grande favor de comprar meu ingresso com antecedência para a primeira cobertura do Jogos Perdidos no Uruguai em todos os tempos. A honra coube a Nacional x Rosario Central, meu terceiro compromisso pela Taça Libertadores da America fora do país pelo terceiro dia consecutivo. Tinha visto ambos apenas uma vez, as duas contra o Corinthians no Pacaembu no ano 2000.
O duelo foi disputado na casa do Decano, o genial Gran Parque Central, um dos estádios utilizados na primeira Copa do Mundo em 1930. Ele está em obras de expansão e, quando ela terminar, o local terá capacidade para 34 mil pessoas. A ideia é que, assim como há 86 anos, ele receba a abertura do Mundial de 2030. Além disso, é a cancha mais antiga das américas e a 15º do mundo. Ter a chance de visitar um local tão especial foi um privilégio enorme.
Apesar de já estar classificado, a torcida tricolor compareceu em peso na gloriosa praça de esportes. Mesmo com a casa lotada, foi fácil chegar e acessar as arquibancadas. O Nacional era o líder da chave com nove pontos, enquanto o Rosario estava com oito e precisava apenas de um empate para também se garantir entre os 16 melhores do certame. O Palmeiras também tinha chance e precisava derrotar o River Plate/URU na sua arena e torcer pro onze argentino não somar ponto. Era fato que o alviverde tinha uma missão bastante complicada.
A peleja começou com a agremiação visitante levemente melhor, porém sem criar momentos de perigo. Quando o relógio marcava 16 minutos, as notícias vindas do Brasil informavam que o time de Palestra Itália tinha aberto o placar. Um gol do Nacional eliminaria o Rosario e ele quase saiu aos 21 minutos quando Barcia chutou firme e Sebástian Sosa faz boa defesa. Aos 24, Ramírez perdeu novo bom momento a favor dos locais.
Nacional em campo para a última apresentação na fase de grupos da Libertadores
Do alambrado, visão dos atletas do Rosario Central se preparando para uma cobrança de falta
Visão do alto da arquibancada do Parque Central
Palco da abertura da primeira Copa do Mundo, a casa do Nacional de Montevidéu é um estádio bastante interessante
Conforme o tempo foi passando e o tento local não saiu, o Rosario foi se acertando. Num dos derradeiros momentos do tempo inicial, a zaga uruguaia vacilou e os argentinos não perdoaram. Cervi cobrou escanteio da esquerda e achou Alejandro Donatti sozinho na grande área. O atleta cabeceou sem marcação e fez o dele. Foi o gol que fez diminuir a esperança palmeirense a 1.900 quilômetros do Parque Central. No intervalo a chuva começou a apertar e eu deixei meu lugar à beira do gramado e subi até o topo da arquibancada.
Lá do alto vi o Nacional voltar ao gramado sentindo falta dos seus desfalques. O Rosario soube se portar direitinho e não deu sopa pro azar. Nem bem tinha chegado o primeiro minuto e quase Herrera, aquele ex-Botafogo e ex-Corinthians, fez o segundo. Aos 13 o Nacional bateu falta perigosa, num dos seus únicos momentos lúcidos nos 45 minutos finais. Aos 24 o sonho palmeirense morreu de vez quando Herrera fez um belo gol. Ele recebeu passe de Cervi, cortou o zagueiro e tocou por baixo do goleiro.
Lance no meio-campo e o visual dos jogadores de Nacional e Rosario Central
O clube uruguaio não foi bem, e suas tentativas foram neutralizadas pelo setor defensivo argentino
Defensor do Rosario roubando a bola de atleta local
Bola levantada dentro da área visitante no final da partida
A partir daí o escrete local se entregou e os argentinos esperaram apenas o tempo passar. O placar final de Nacional 0-2 Rosario Central ficou de bom grado para ambos e garantiu os dois nas oitavas, já que nem a vitória do Palmeiras por 4x0 em São Paulo adiantou. Os dois pegaram e eliminaram brasileiros nas oitavas. A torcida local não ficou feliz depois do apito final e só não pintou nenhuma crise maior pois a vaga estava garantida.
Saí do Parque Central debaixo de uma chuva bem forte e mal sabia que isso complicaria absurdamente a minha estadia no Uruguai. Na sexta-feira um tornado devastou uma cidade do interior e um dilúvio ininterrupto que durou 24 horas transformou Montevidéu num verdadeiro caos durante todo o dia. Com isso A AUF cancelou a rodada do dia 15. Passei o dia no hotel com uma leve escapada ao pequeno shopping que fica dentro da rodoviária de Tres Cruces. A esperança era que a chuva passasse de alguma forma, evitando assim que a rodada dos dias seguintes fosse confirmada.
Quando o sábado nasceu São Pedro tinha dado uma trégua e até o sol resolveu aparecer. Já estava pronto com destino ao primeiro compromisso da rodada tripla programada quando, por desencargo, resolvi conferir o perfil da AUF no Twitter. Eis que, para o meu completo desespero vi que simplesmente TODAS as partidas de TODAS as divisões e de TODAS as categorias não seriam realizados até a outra semana. Resumindo: meu cronograma com oito jogos tinha ido pro brejo. Frustração, raiva, tristeza... inúmeros sentimentos e sensações passaram pela minha mente.
Após cerca de dez minutos completamente sem reação, passei a pensar numa saída. A decisão mais lógica - e insana também, mas não me restava muito a fazer - foi voltar a Buenos Aires para terminar minha viagem em melhores condições. No tempo recorde de meia hora o voo estava remarcado e a passagem de buquebus, a famosa balsa, estava comprada. Às seis da matina do domingo sairia da cidade de Colonia del Sacramento com destino à Buenos Aires.
Tentando não deixar a impressão de Montevidéu e do Uruguai ainda pior, resolvi passar a noite de sábado dando uma volta no centro da cidade. Pena que, como cereja do bolo, as ruas estavam completamente vazias e sem nenhum restaurante ou lanchonete em funcionamento. Como em Buenos Aires tudo fica aberto até altas horas e temos dezenas e dezenas de opções, a comparação foi inevitável. Posso dizer que a impressão que tive do país vizinho foi a pior possível. Tudo bem que dei um azar danado por conta do tornado. só que isso só irá passar numa nova viagem que fizer até lá.
Acordei às quatro da matina no domingo e peguei um busão bem zoado que percorreu os 180 quilômetros que separam Montevideu da cidade litorânea em tempo recorde. A chuva tinha voltado e fiquei num banco com uma goteira em cima de mim. O motorista meteu o pé firme no acelerador e chegamos no destino em menos de duas horas. Como a grana já estava curta, a balsa dessa vez era mais humilde. Posso dizer que foram 50 minutos terríveis, já que o Rio da Prata estava nervoso e o bendito buquebus balançou absurdamente. Não foi fácil, definitivamente.
Quando eu desci em Buenos Aires quase mandei o gesto de beijar o chão que João Paulo II fazia quando visitava um país. Pode soar estranho, mas a sensação de "estar em casa" foi enorme. Retornei ao hotel em frente ao obelisco, o mesmo da primeira parte da viagem, e que voltaria a ser meu QG até o fim da Magical Mystery Tour. A AFA não tinha cancelado todos os seus jogos por conta do mau tempo. Mesmo assim passei perrengue (ainda mais) para salvar meu final de semana futebolístico.
Até lá!
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